Sobre o poema A máquina do mundo
De Carlos Drummond de Andrade
Tema
O poema narra a jornada do eu-lírico em busca de si mesmo, em busca de explicações para sua vida. O poema começa com uma imagem dele andando sozinho (palmilhar é o mesmo que andar a pé) por uma estrada cheia de pedras, ou seja, um caminho muito difícil de trilhar que é o desta jornada interior. O poema começa com a conjunção aditiva “e”, porém não há nada antes, o que indica que o poema começa no meio desta jornada. Além disto, esta viagem não é literal: após o ‘e como’ há um “se” implícito, mostrando que esta viagem não é literal, mas suas sensações são.
Ele ouve, no fim da tarde, um sino rouco que se mistura com o som de seus passos: ele está completamente sozinho neste cenário árido.
Além disso, sua melancolia é mostrada pela escuridão que vem das aves pretas pairando no céu (corvos, talvez), da escuridão vinda dos montes, que não eram nada se comparadas à escuridão dele próprio: um ser desenganado, sem esperanças.
Nesta busca interna, a máquina do mundo se abriu para ele, que já tinha quase desistido de procurá-la, e só de pensar nisso tinha vontade de chorar:
Mas o que é a Máquina do Mundo? É um conceito medieval sobre o funcionamento do universo, que na época era baseado no sistema ptolomaico. Drummond usa essa imagem para algo que pode lhe mostrar todas as verdades e segredos da vida. Ao se abrir, ela lhe mostra:
1. A verdade da ciência:
Uma ciência rica o suficiente para explicar os mistérios da natureza (essa riqueza / sobrante a toda pérola)
e explicar a vida, tudo que ele sempre quis, porém já tinha desanimado perante sua própria busca (esquivo se revelou ante a pesquisa ardente em que te consumiste…); ela o convida para ele estar aberto ao que ela tem a lhe oferecer (abre teu peito para agasalhá-lo).
2. A verdade da filosofia
3. A intelectualidade e domínio da natureza:
A ideia do homem dominar e conquistar a natureza e à capacidade de se pensar algo e materializá-lo (o que pensado foi e logo atinge / distância superior ao pensamento):
4. A paixão:
Algo que define o ser terrestre, dado que o ser terrestre é carnal, assim como os animais:
5. A transcendência e religião:
Porém, o eu-lírico recusa todas essas coisas que lhe chama para seu reino augusto. Agora que tudo isso se mostrou a ele, ele se sente uma pessoa diferente da que era quando buscava todas essas coisas
Ele não tem mais a curiosidade de saber todas essas coisas que se mostram agora disponíveis a ele de forma gratuita e se mostra cansado delas de alguma forma.
Após tanto procurar, ele percebe que não eram essas as coisas que procurava, e ainda, ele decide que quer procurar suas próprias verdades e segredos, seu próprio caminho, sua própria máquina, e não aquela que o mundo lhe oferece ou lhe impõe: ele volta à estrada pedregosa de Minas (o que não significa que ele realmente voltou para Minas, mas, como Minas é onde ele nasceu, mostra que esse é um caminho só seu) de mãos vazias, pois prefere a solidão de continuar procurando do que a opção mais fácil de aceitar uma demanda que não é a sua.
Intertextualidade
Drummond revisita um tema já visto por outros poetas: a máquina do mundo, que é uma concepção medieval sobre o funcionamento do universo, que, na época, era o sistema ptolomaico (geocentrismo: Terra como centro do universo).
A imagem da máquina do mundo foi usada por Camões em Os Lusíadas, quando Vasco da Gama recebe da ninfa Tétis um presente dos deuses: o conhecimento do funcionamento do universo em recompensa por seus trabalhos. Está no canto X, estrofe 80:
Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber alto e profundo,
Que é sempre princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus; mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto engenho humano não se estende.
Forma
O poema A máquina do mundo tem 96 versos, todos eles decassílabos, ou seja: todos têm 10 sílabas poéticas. Se você não se lembra como contar as sílabas poéticas, veja o primeiro verso e conte as sílabas. A contagem sempre acaba na última sílaba mais forte, que aqui é “men” (mesmo que sobre alguma sílaba depois, ela não está na contagem).
O fato do poema ser inteiramente em decassílabos mostra um diálogo com a tradição poética, algo bem presente no livro Claro Enigma como um todo.
Além disso, o poema é todo feito em tercetos (três versos), assim como A Divina Comédia de Dante Alighieri.