Depois da pandemia
“Moro sozinha” era o que ela falava,
Porém, com sombras seu apartamento dividia
As quais, descaradamente, ignorava
“Elas não têm nada a ver comigo”, dizia
Sem querer, se misturava a elas
E numa escuridão sem fim –
Não só quando anoitecia
Mas também antes e depois
Sempre cansada, mesmo quando dormia
Durante alguns meses — de terror
Foi obrigada por forças maiores
a conviver com esses seres escuros
que habitavam de dia
o fundo de seus armários –
o fundo de seus olhos
Na contramão do vazio
deixado em seu país
Maria sabe agora o que é ter companhia
E cuidando bem dessa eterna cicatriz
alastra por todos os cantos de casa
a notícia de que seu corpo não é prisão
e que o hiato existente na palavra pan-de-mi-a
não lhe bota mais medo
pois no auge da solidão
há a reunião de todas as letras
da vida de Mari-
a
CCS, 9 de maio de 2020